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“Não basta consumir teoria, é importante produzir”


A trajetória acadêmica da antropóloga Louise Scoz Pasteur de Faria é, no mínimo, ousada. Sobretudo pela originalidade dos seus temas de pesquisa. Ao se graduar em Comunicação Social/Publicidade e Propaganda pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM/RS), em 2009, ela emendou um curso de especialização em Ciências do Consumo, também na ESPM. Foi naquela ocasião que conheceu a antropóloga Rosana Pinheiro Machado, a orientadora no seu trabalho de conclusão intitulado “Lucas Celebridade: a construção da noção de indivíduo através de múltiplas plataformas”.

Em 2012, Louise ingressou no Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde desenvolveu a dissertação “A Arte da Fama: Victor Calazans e a construção de @ Hebe Camargo enquanto uma webcelebridade”, com orientação do Ruben George Oliven, trabalho a partir do qual elaborou um artigo que foi agraciado com o Prêmio Heloísa Alberto Torres na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia (RBA). Atualmente, é doutoranda no PPGAS/UFRGS e investiga uma rede transnacional de jovens empreendedores envolvidos na criação e no desenvolvimento de empresas start-up no Brasil, novamente orientada pelo professor Ruben.

Louise embarcou em setembro de 2016 para uma experiência de doutorado sanduíche na University College of London (UCL), em Londres, onde recebeu orientação do Daniel Miller, referência internacional em estudos sobre cultura material, consumo e antropologia digital. Hoje, ela se dedica à escrita de sua tese, que deve ser defendida em 2018, e participa das discussões do Grupo de Antropologia da Economia e da Política (GAEP).


Louise, você poderia falar um pouco sobre seu interesse em empresas start-up?

Tenho uma formação sólida em negócios, marketing e comunicação, e isso, com certeza, influenciou a escolha do tema da minha tese de doutorado. Acredito que uma séria reflexão sobre o mundo no qual vivemos passa necessariamente por pensar paisagens empresariais a partir de um olhar empático e comprometido, mas sem deixar de lado o potencial crítico. A minha trajetória ajuda na inserção nesse campo de pesquisa com grupos up (camadas altas), que pode ser muito hermético, fechado para pesquisadores. Existe toda uma linguagem, uma lógica de interação e uma postura para entrar e circular entre essas pessoas. Se não há um background, uma rede construída anteriormente, isso tudo fica muito difícil.


A decisão de fazer doutorado sanduíche veio em qual momento?

Quando entrei no doutorado, eu já pensava em fazer estágio no Exterior por vários motivos. Eu tinha plena consciência da necessidade de investir na minha carreira de pesquisadora fora do Brasil. Penso que a academia brasileira é um espaço ainda tímido, isolado. Existe muito espaço para internacionalização. Há um esforço por parte dos departamentos de pós-graduação para tecer essas redes, mas, por questões geográficas, de infraestrutura, de idioma, entre outras, o Brasil ainda é muito voltado para si nas suas pesquisas e na trajetória de carreira dos pesquisadores. É uma realidade bem diferente em relação ao outros contextos, como Estados Unidos e Reino Unido. Um dos motivos que eu escolhi o Reino Unido, e Londres, mais especificamente, foi pelo fato de ser um centro de produção acadêmica reconhecido na Antropologia. Esses departamentos exportam uma miríade de teorias e conceitos, coisa que ocorre com menor frequência no Brasil. Para mim, é importante pensar a academia como polo de produção no seu sentido mais político do termo. Um pesquisador que trabalha no contexto do Brasil, se ele puder, não pode se furtar de entrar em algum centro de produção de conhecimento. Isso seria o ideal, penso. Evidentemente, o pesquisador precisa estar bem preparado para, de fato, dialogar com essa comunidade acadêmica. Não basta consumir teoria, é importante produzir. Ainda mais em nosso contexto acadêmico global. Eu venho de uma linhagem acadêmica que faz isso.


Está seguindo o caminho do seu orientador, o Ruben Oliven?

Também. Meu orientador é um pesquisador com uma larga trajetória internacional. A primeira ideia era ir para os Estados Unidos. A professora Setha Low, da City University of New York, esteve no Brasil para um ciclo de palestras em 2015, e trabalhei como sua intérprete. Por conta dessa experiência, fui convidada para trabalhar com ela durante um ano em seu departamento, mas os cortes de financiamentos Capes e CNPq (em 2015) tornaram a viagem inviável. O Reino Unido surgiu como outra opção, até porque eu sou cidadã europeia e não teria problemas com visto.


Como você chegou ao professor Daniel Miller, seu orientador na UCL, em Londres?

Eu procurei o Daniel Miller. Ele já tinha contato com meu orientador no Brasil, mas eu é que fiz contato com ele por e-mail. Foi um processo de seleção normal. Enviei meu currículo e artigos escritos em língua inglesa. Então veio o “OK, vem”. A ideia era ficar durante seis meses, mas acabei ficando um pouco mais.


E como era a relação com ele?

Foi de orientação de verdade, de fato. Quando eu cheguei lá, eu estava numa fase da pesquisa em que tinha recém terminado o trabalho de campo. Então as coisas estavam um pouco abstratas. Eu tinha pouco trabalho textual em termos de tese. A nossa relação ajudou a construir a estrutura da tese. Foi produtivo. É evidente que, num contexto de produção acadêmica do Reino Unido, ele é uma figura muito envolvida em vários tipos de atividades. É um estilo de orientação diferente, mas muito eficaz e profissional. Nós nos encontramos algumas vezes, eu enviava e-mails, e ele dava o feedback. Às vezes, lia meus textos e enviava feedbacks uns dez minutos depois. É um cara que gosta muito de trocar com os alunos. E foi com ele que eu fiz a estrutura da tese. Se eu não tivesse passado por essa experiência, minha tese seria bem diferente.


Sem diminuir o papel do professor Ruben Oliven (risos).

Claro! (risos) Na verdade, são dois papéis diferentes. O Ruben foi fundamental em toda a minha trajetória na antropologia, enquanto que o Daniel Miller é alguém que encontrei em um momento específico da minha trajetória de vida e da escrita da tese. Eu estava na UCL por um tempo e tinha que aproveitar o máximo dele e da experiência que o departamento me proporcionou. Me forçou a olhar para a tese de maneira intensa. Nisso ele foi fundamental.


E como era a rotina de aulas e seminários na UCL?

Eu fiquei no departamento de Antropologia, e, dentro dele, tem outros subdepartamentos. O meu era o de Cultura Material. Há seminários semanais, que é quando os alunos e o corpo docente se reúnem. A estrutura das aulas muda conforme os terms. São três por ano letivo, que se inicia em setembro. Quando estamos aqui, podemos acessar seminários de outras instituições, como King’s College e da London School of Economics. Fiz contato com colegas de outros departamentos, com outros professores importantes, como o Keith Hart, com quem tive uma oportunidade maravilhosa de conversar sobre minha tese. É toda uma rede de produção de pesquisa que vai além do contato com o orientador. Para tudo isso, o domínio do inglês é fundamental. Essa é uma das questões mais agudas da internacionalização. Porque não basta ler em inglês. É preciso ser fluente. Falar e escrever para aproveitar a experiência. Sem isso, a pessoa não vai, de fato, se engajar na comunidade acadêmica. Pode ir a eventos, às aulas, mas não vai aproveitar a experiência integralmente.


Como foi a recepção da comunidade acadêmica?

O pessoal do departamento de Antropologia da UCL está acostumado a receber alunos internacionais, é parte da rotina deles. Fui muito bem recebida. A relação é profissional, é objetiva e muito agradável. Tive acesso a pessoas, eventos, infraestrutura e, principalmente a experiências que vou levar para o resto da vida. Como sou membro do Royal Anthropological Institute (RAI – associação de antropologia do Reino Unido e da Irlanda), também posso ir a várias bibliotecas de diferentes instituições, embora eu prefira produzir em casa mesmo. Preciso de isolamento para escrever.


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