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Antropologia em campos up: empresariado, filantropia e o setor social


Formada em Comunicação Social/Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a antropóloga Patricia Kunrath Silva tem uma trajetória profissional que começa e se consolida no setor privado para, na sequência, retomar o contato com a academia. Ainda na faculdade, considerou pesquisar a construção do feminino em publicações adolescentes para seu trabalho de conclusão de curso (TCC). Por sugestão de um professor, porém, acabou se debruçando sobre marketing interno na empresa em que era funcionária.

Encerrada graduação, em 2006, Patricia já estava no mercado de trabalho, atuando junto a grandes corporações. Pois a inserção no setor privado lhe rendeu experiências importantes para as escolhas que vieram a seguir, todas voltadas para a produção acadêmica nos chamados grupos up, ou seja, investigando grupos de poder e camadas altas. Orientanda pelo professor Ruben Oliven, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS), da UFRGS, a pesquisadora obteve o título de mestra em 2013 com a dissertação “Vestindo a Camiseta: engajamento institucional e construção de identidades no contexto de intercâmbios culturais da AIESEC”.

Integrante do Grupo de Antropologia da Economia e da Política (GAEP), Patricia acaba de defender a tese “Filantropia e Investimento Social Privado nos Estados Unidos e no Brasil: redes transnacionais de governança econômica”, novamente orientada pelo professor Ruben. O curioso é que, ao longo da produção deste trabalho, ela reafirmou o interesse por questões de gênero ao conhecer uma fundação engajada com direitos das mulheres.


Poderia falar um pouco sobre a sua trajetória acadêmica e seus interesses de pesquisa?

Eu fiz Comunicação Social, com ênfase em Publicidade e Propaganda. Comecei o curso em 2002 e me formei em 2006. Trabalhei praticamente desde o início da graduação com marketing e comunicação interna. Meu primeiro estágio foi na Opus Promoções (produtora cultural e administradora de espaços culturais). Meu trabalho de conclusão na comunicação foi em endomarketing (marketing voltado para o público interno de empresas) e já tinha interesse em pesquisar a construção simbólica do feminino em revistas para adolescentes, como Capricho e Atrevida. No entanto, como eu trabalhava com marketing interno, meu orientador naquela época, o professor André Iribure Rodrigues, sugeriu que eu fizesse estudos dos casos por mim atendidos, e foi por onde segui.


E continuou por mais um tempo no setor privado...

Sim, até 2010. Eu trabalhava para uma empresa terceirizada com o programa de eficiência energética da (distribuidora de energia elétrica) Rio Grande Energia (RGE). Minha atuação sempre foi no cruzamento da comunicação com os setores de recursos humanos e responsabilidade social corporativa. Daí começou a se formar também meu interesse de pesquisa no cruzamento do setor privado com a área social.


Como chegou à Antropologia?

Passei por uma experiência bastante intensa trabalhando em uma fábrica de calçados de segurança na Alemanha, empresa que também tem filial em Lajeado (município no Rio Grande do Sul), e decidi que eu queria voltar a estudar. Em um primeiro momento, até pensei em estudar a fábrica, depois mudei. Eu queria uma área que me permitisse uma leitura crítica dessas experiências e achava que na Comunicação Social ficaria muito focada na prática mercadológica. Eu era muito idealista. Pensei em Sociologia, Psicologia e Antropologia. Bom, em 2008, antes de ir para a Alemanha – fui em 2009 e voltei em 2010 –, já havia feito uma disciplina de introdução à Antropologia na graduação das Ciências Sociais, UFRGS. Então busquei quais docentes trabalhavam na área e encontrei os professores Ruben Oliven e Arlei Damo e o Núcleo de Pesquisa sobre Culturas Contemporâneas (Nupecs), da UFRGS, ao qual o GAEP está vinculado.


Voltando um pouco, como foi parar na Alemanha?

Por meio da AIESEC. Logo que eu me formei, em 2006, eu procurei a organização porque tinha interesse em fazer intercâmbio e me tornei voluntária.


O que é a AIESEC?

É uma ONG internacional para jovens estudantes e recém-formados, entre 18 e 30 anos de idade. É reconhecida pela Unesco como a maior organização de estudantes do mundo e tem o foco bastante voltado para desenvolvimento, liderança e negócios sociais. Você realiza trabalho voluntário e eles oferecem intercâmbios com organizações parceiras. E foi esse o foco da minha pesquisa de mestrado, na qual analisei engajamento e construção de identidades.


De onde surgiu o tema do doutorado?

Para o doutorado, eu pensava em seguir estudando a AIESEC. Pretendia fazer um sanduíche na Índia, porque lá a ONG é muito forte, especialmente por causa das empresas de TI (tecnologia da informação). Depois, conversando com o Ruben, ele me sugeriu a temática mais ampla da filantropia, e ele sugeriu que eu fizesse uma comparação entre Brasil e Estados Unidos. Bom, eu achei que faria todo sentido. Foi uma experiência completamente diferente do mestrado, porque eu não conhecia ninguém nesse universo, não sabia nem por onde começar. Então o Ruben me colocou em contato com o (cientista social) Léo Voigt, que tem sólida trajetória no setor e foi meu principal interlocutor em Porto Alegre. A partir daí, conversei com pessoas em diversas organizações e fundações. Fui à conferência do IDIS (Institute for the Development of Social Investment) em São Paulo e conheci o Global Philanthropy Forum, que seria objeto de pesquisa no estágio de doutorado sanduíche nos Estados Unidos.


Foi difícil o processo para fazer o doutorado sanduíche?

Foi um pouco demorado. Eu tentei contato com alguns professores para me receber, mas sem sucesso. Em 2013, eu tinha feito a tradução da palestra do antropólogo Keith Hart quando ele esteve na UFRGS a convite do professor Ruben. Na ocasião, falamos bastante sobre o livro que ele e o professor (Antonio) Cattani, do Departamento de Sociologia da UFRGS, organizaram. Chama-se “The Human Economy” e reúne artigos sobre ONGs, investimento social, terceiro setor etc. O Ruben mediou o contato. Então o professor Keith contou que estava construindo uma rede com antropólogos da Universidade da Califórnia Irvine. Ele escreveu para o professor Bill Maurer, que aceitou me receber. Depois disso, foi razoavelmente fácil conseguir a bolsa, que foi da Capes. Embarquei para os Estados Unidos em março de 2015. Naquela época, aliás, ainda existiam em maior quantidade de bolsas.


Como foi fazer o campo nos Estados Unidos?

Eu tive que passar por um comitê de ética da universidade de lá antes de fazer o campo, porque incluía entrevistas. Logo que cheguei lá já tive uma reunião com o Bill, e ele me disse que eu não poderia entrar em contato com entrevistados antes de passar pelo comitê. E eu não tinha nem ideia por onde começar. Eles, muito organizados, tinham uma página onde alunos antigos colocavam modelos para a gente fazer a redação dos novos pedidos. Eu fiz, e voltou várias vezes. O comitê se reunia uma vez por mês para avaliar e, se houvesse qualquer dúvida sobre o teu projeto, voltava. Aí se resolvia, mandava outra vez, levava mais um mês.


Mas todo mundo passa por esse comitê?

Sim, e há modalidades diferentes. É mais rápido, por exemplo, se tu não vais trabalhar com entrevistas. E nesse processo se passaram quase seis meses, ou seja, metade do tempo do sanduíche. Enquanto eu aguardava, participei de eventos envolvendo filantropia e fiz um curso online em filantropia estratégica, mas não podia entrevistar ninguém. Depois de aprovado, entrevistei a vice-presidente do Global Philanthropy Forum, consegui participar da conferência anual deles e entrevistei outros dirigentes de institutos e fundações. Já para o fim da pesquisa, a diretora de uma fundação para justiça de gênero e direito das mulheres, que se tornou uma das minhas interlocutoras, disse que o pessoal com quem eu estava trabalhando era muito “de direita” e que eu deveria conhecer o Edge Funders Alliance, “mais de esquerda”. Participei da conferência com militantes feministas, pessoas que trabalham com direitos das mulheres, uma rede bem ativa no sentido de colocar a perspectiva de gênero. No fim da pesquisa, eu me identifiquei bastante com esse grupo e continuo em contato. Foram coisas que apareceram no campo e pelas quais eu me encantei.


Com a tese defendida e aprovada, quais são os planos?

Eu fiquei bastante interessada em seguir trabalhando no terceiro setor. Tem o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) e o IDIS, que possuem redes muito interessantes. Essa temática do investimento social privado segue crescendo. Ainda participo das conferências com financiadoras e ativistas feministas. Considero seguir carreira acadêmica, acho que uma coisa não exclui a outra.


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