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Antropóloga desvenda o mercado de casamentos, fenômeno em que o sonho não tem preço



A cearense Érika Bezerra de Meneses Pinho chegou a Porto Alegre no início de 2013 para cursar doutorado em Antropologia Social na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Naqueles dias, a intenção era dar prosseguimento a uma trajetória de pesquisa comprometida politicamente com a questão da prostituição em Fortaleza, temática que havia desenvolvido no âmbito da Comunicação Social, durante a graduação, e da Sociologia, no mestrado, ambas as experiências na Universidade Federal do Ceará (UFC). Na faculdade, seu trabalho de conclusão de curso (TCC) recebeu o título "No Amor e na Batalha - Relações Afetivas na Zona de Baixo Meretrício do Farol do Mucuripe" e foi defendido em 2005, com orientação de Francisca Ilnar de Sousa. A dissertação "O tempo bom do Farol: transgressão, sociabilidade e afeto nas trajetórias de ex-prostitutas idosas", defendida em 2012, foi orientada por Antônio Cristian Saraiva Paiva.

Poucas semanas em Porto Alegre foram necessárias para ela perceber os desafios impostos pela distância geográfica em relação ao seu tema original de pesquisa e pelas burocracias e exigências do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da UFRGS. Com o apoio do orientador Ruben Oliven, ela decidiu colocar em prática um plano que, no fundo, nem era tão B assim - tratava-se de uma ideia sedutora, mas que implicava uma virada nos rumos dos interesses acadêmicos: pesquisar o mercado de casamentos.

Em julho deste ano, Érika, que integra o Grupo de Antropologia da Economia e da Política (GAEP), obteve o título de doutora em Antropologia Social com a tese "'Um sonho não tem preço': uma etnografia do mercado de casamentos no Brasil". Mais do que um trabalho original, trata-se de uma pesquisa que expõe o engajamento, a coragem e a dedicação de uma doutoranda disposta a experimentar na própria pele o sonho das interlocutoras e o esforço daqueles que se envolvem no processo que faz "tudo acontecer".


Érika, você começou sua trajetória profissional na Comunicação e, aos poucos, migrou para as Ciências Sociais. Como se deu esse movimento?

Bom, prestei vestibular para Jornalismo na UFC e comecei a faculdade em 2002. Fiz o curso em quatro anos. No meio da graduação, eu me encantei com pesquisa. Na verdade, não fui bolsista de pesquisa, até porque não era uma época de muitas bolsas como tivemos há pouco, e que agora também já mudou. Enfim, no quarto semestre, numa disciplina de Assessoria de Imprensa, a professora propôs que fizéssemos assessoria para uma ONG. Era o auge do terceiro setor no Brasil, e era imperativo que jornalistas tivessem alguma experiência nesse segmento, mesmo na faculdade. No meu estágio, eu já tinha trabalhado com uma ONG ligada a direito de infância e adolescência, focando no combate à violência sexual, o que me levou a trabalhar com questões ligadas à prostituição. Então me interessei em conhecer prostitutas adultas, o cotidiano dessas mulheres e seus engajamentos políticos na luta contra a violência sexual contra crianças e adolescentes. Pois o trabalho da disciplina era prestar assessoria gratuita a uma ONG, e eu fiz para essa associação de prostitutas do Ceará. Fiz contatos dentro dessa rede politicamente engajada.


Mas não ficou só na disciplina, certo?

Isso. Do quarto ao oitavo semestre, trabalhei com essa rede. Para meu TCC, a pesquisa foi uma experiência etnográfica nesse contexto. Não ousaria chamar de etnografia, mas foi um trabalho denso com as prostitutas da região portuária de Fortaleza que não estavam no movimento político. Durante seis meses, fui todas as sextas-feiras a um cabaré, a um prostíbulo, e passava as tardes lá ouvindo histórias e prestando atenção aos fluxos transnacionais, às migrações e aos sonhos de migrar, de ter um príncipe sueco, finlandês, sei lá de onde.


Em geral, um “príncipe” europeu?

Sim. Mas tinha uma coisa curiosa. Descobri que os filipinos não estavam no sonho de casamento, mas eram clientes muito cobiçados por elas porque eram considerados gentis. E fui descobrindo esse universo.


O que aconteceu quando você se formou?

Terminei a faculdade, acabou o estágio e, eu, jornalista recém-formada, acabei distribuindo currículos. Então um professor me chamou para trabalhar na assessoria de imprensa da prefeitura de Fortaleza. Era uma gestão do PT que dava muita ênfase à comunicação popular, e eu tinha experiência.


O que você fazia?

Cuidava da assessoria de comunicação externa, levando informação da ponta do executivo à população, como campanha de vacinação ou fumacê contra o mosquito da dengue. Também comunicava ações da administração para a imprensa. Era bem puxado. Fortaleza é dividida em seis regionais administrativas, e eu trabalhava na regional seis, que é a mais populosa e a mais pobre. Um tempo depois, fui chamada para o gabinete da prefeitura para coordenar o portal de notícias. Era uma época em que havia necessidade de se criar um portal da transparência. Fiquei uns dois anos nesse portal. Ao todo, passei seis anos na Prefeitura. Até que saí para fazer o mestrado.


Por que resolveu voltar à academia?

Sentia saudades da vida acadêmica, da possibilidade de desenvolver uma pesquisa sobre um tema único. Eu queria me dedicar a um assunto só. Porque, no cotidiano do jornalismo, o tempo é muito mais rápido, é outra temporalidade. Você precisa entregar entre cinco e dez matérias por dia, dependendo do dia. Eu sentia saudade de uma experiência mais dedicada, com tempo mais espaçado.


Foi uma transição tranquila?

Não, a volta para vida acadêmica não foi fácil (risos). Eu queria fazer o mestrado na Sociologia da UFC. O projeto teve uma nota legal, mas não passei na prova teórica. Resolvi tentar no ano seguinte, só que com outro grau de planejamento. Porque eu subestimei a prova, não estudei direito. Resolvi procurar uma professora de teoria sociológica no mestrado. Disse a ela que queria entrar no curso, mas que precisava assistir às aulas dela para passas na prova. Fiz um semestre, bem dedicada. Ela tirava as minhas dúvidas, me ajudou. Era a professora Alba Carvalho, uma pessoa ótima.


E passou na segunda tentativa?

Passei e larguei meu emprego no jornalismo. Fazia esporadicamente algum trabalho como freelancer. Isso foi em 2010, e terminei a pós em 2012.


Qual era o projeto?

Um desdobramento da pesquisa de graduação, permanecendo na zona portuária. Só que, ao invés de pesquisar as mulheres com a minha idade, em torno dos 25 anos, eu queria ver trajetórias de vida de prostitutas idosas. Usei a história oral para recolher material com nove delas. Também fazia observação participante nesses contextos, conversando com as famílias, observando relações. Por exemplo, percebia que algumas mantinham relações com clientes recebendo não dinheiro, mas outros tipos de bens, tipo uma geladeira. Precisava estar perto para ver quem eram os homens que elas se recusavam a chamar de clientes, mas com quem mantinham relações muito próximas disso.


Qual era o seu referencial teórico nesse trabalho?

Trabalhei com a dádiva, com Viviane Zelizer, sempre atenta a trocas entre mulheres e homens no universo da prostituição. Quais eram os papéis que se assumiam? Trocas afetivas, sexuais, monetárias, materiais. Isso chamava a minha atenção. Afetividade e interesse são as categorias que me guiaram e me levaram para o doutorado.


Após a defesa, em 2012, o que aconteceu? Como veio parar em Porto Alegre, na UFRGS?

Decidi fazer a seleção sem pressa, em 2013, para entrar em 2014 no doutorado. Parei tudo e fiquei um ano estudando, me preparando. Participei da seleção para o doutorado em Sociologia na UFC – eram uns dez ou doze livros inteiros! – e tentei a Antropologia na UFRGS. Esta última era uma possibilidade, e parecia distante. Acabei passando nas duas instituições e decidi vir pra cá para me aproximar da Antropologia Econômica. E eu queria ir para a Antropologia, porque eu já estava fazendo etnografia.


Qual era o projeto para o doutorado?

Propus seguir trabalhando com aquelas mulheres idosas, mas numa perspectiva diacrônica, olhando para a construção de Fortaleza e para a construção delas enquanto sujeitos naquela cidade nos anos 1960, 1970. No entanto, eu tinha muitas inseguranças quanto à questão de olhar para o passado. Já no início do doutorado, ficou claro para mim que eu não conseguiria executar aquele projeto, também por uma ordem prática. Para começar, meus créditos do Ceará não foram aceitos no PPGAS porque eram de Sociologia, e eu imaginava que seriam aceitos. Assim, tive que fazer 44 créditos, mais a minha pesquisa, passando temporadas longas no campo, no Ceará. Quando vim, achava que faria poucas cadeiras e iria embora fazer meu campo lá.


Foi aí que decidiu mudar o campo para o mercado de casamentos?

Também. Enquanto eu cursava o mestrado, ouvia pessoas falando sobre como seria importante pesquisar interesse e afeto em casamentos. Quando ouvi isso, era um período em que amigos e amigas estavam se casando. Um período que atrapalhou muito os meus estudos nos finais de semana (risos). Sempre tinha um casamento na sexta-feira ou no sábado, o que também afetava as minhas finanças, já que tinha que dar presente e tal. Nessas festas, eu ficava impressionada, porque eram gigantescas. E essas pessoas não eram ricas, era gente de classe média. A minha sensibilidade foi se aguçando nessa época. Daí, na seleção do doutorado do PPGAS, a questão da prova pedia para a gente criar um projeto sobre algo sobre o qual nunca havíamos pesquisado. Como eu já tinha pensado muito a respeito do mercado de casamento e das trocas, escrevi um projeto sobre isso. Usei a bibliografia do mestrado e alguma coisa do Marshall Sahlins que aparecia na lista de referências bibliográficas. E, quando precisei dar um novo rumo à minha pesquisa, por questões práticas, essa prova estava latejando na minha cabeça. Conversei com o professor Ruben Oliven, e ele aceitou me orientar. Deu tudo certo, porque consegui conciliar questões teóricas com um campo que me interessava.


Seu campo foi onde?

Fiz o campo em Porto Alegre, Fortaleza e São Paulo. Foi uma etnografia do mercado brasileiro de casamentos. Queria pensar sobre esse jeito brasileiro de viver esse ritual influenciado pelo consumo, pelo crescimento da classe média na década anterior. Conforme minhas conveniências e possibilidades, eu fiz adequações no projeto. Estava fazendo o doutorado em Porto Alegre, as 44 cadeiras, então não conseguia ir para Fortaleza no início. Só que o campo não podia ficar parado. Eu também não podia virar noites em festas em Porto Alegre, porque tinha as aulas, tinha uma carga de leitura imensa, os trabalhos, as provas. Daí eu não conseguia fazer uma rede. Eu sou de fora, e as pessoas que eu buscava me dispensavam educadamente, não demonstravam interesse, e o tempo ia passado. Então fui a algumas feiras de casamento em Porto Alegre e estive na maior feira do país, em São Paulo. Até que, aqui no sul, entrei em campo graças a informantes apresentadas por colegas do PPGAS. Mas eu ainda não me sentia inserida. Eu precisava de uma inserção mais participativa.


Essa inserção mais participativa aconteceu, de fato, em Fortaleza?

Exato. Uma amiga me apresentou a cerimonialista do casamento dela, a Regina. Eu falo sobre isso na tese, sobre o casamento da Catarina. Acompanhei a preparação do início ao fim. Como eu já tinha terminado as disciplinas no PPGAS, consegui ir para Fortaleza, e a Regina me deu muito espaço, muita abertura. Eu virei a sombra dela. Eu passava três meses lá, voltava para Porto Alegre, ficava um mês aqui, daí voltava para lá e passava mais um tempo. Foram períodos longos, mas excelentes. Como ela não dirige e não tem carro, eu me tornei a motorista dela. Desta forma, participei de todas as reuniões dela no período, trabalhei voluntariamente e a ajudei a organizar 12 casamentos. Entrei em todas as portas que foram se abrindo. Fui conhecendo noivas, fornecedores, e colhi material até demais, que também é um problema. Tudo aconteceu rapidamente depois que o campo “se abriu”.


Você fazia diários de campo? Como registrava a pesquisa?

Usei muita tecnologia a meu favor. Olha, menina, se não fosse o smartphone, teria sido bem difícil. No início do doutorado, eu não tinha essa tecnologia. Vinha de um período de saturação de internet pelo tempo em que eu trabalhei com isso como jornalista. Naquela época, tinha obrigação de estar conectada 24 horas por dia, atender ao telefone a qualquer hora, e tudo o que eu queria era me desconectar, entrar numa biblioteca e ficar lá, só eu e o meu livro. Só que eu precisava comprar o smartphone, porque era a comunicação dessas pessoas. Enfim, foi nessa época mais corrida, quando eu dirigia muitos quilômetros, escrevia muito e voltava do campo depois das 3 da manhã, que usei muito as notas de voz. Entrava no carro, ligava o dispositivo e começava a registrar tudo que tinha acontecido. Acostumei a ligar o carro e ligar o gravador, e ia narrando até em casa. Assim que possível, passava os principais pontos a limpo. Eu vivia exausta nesse ritmo, mas a tecnologia me ajudou demais. Fez com que os três meses que eu passei como sombra da Regina se transformassem em uns dez anos, de tanta informação.


Pode explicar melhor?

Enquanto eu dirigia, a Regina estava gravando áudios para as clientes e ouvindo os áudios das clientes. Era como se eu ouvisse reuniões dela explicando coisas sem parar. Eu pedia os áudios, ela me repassava e eles entravam como documentos. Depois veio a quarta e última etapa da pesquisa. A Regina é muito sagaz nas relações dela. Quando me apresentava para as clientes, ela dizia que, além de antropóloga, eu era uma “futura pérola”, uma futura noiva da Delicadeza, a sua empresa de organização de casamento. As noivas me viam como mais uma noiva no futuro, como uma pessoa próxima delas, e, como eu disse, eu vinha planejando uma festa de casamento com meu namorado. Essa forma de me apresentar às clientes criou muita intimidade delas comigo. E, mesmo que eu ainda não fosse noiva, as pérolas da Regina me diziam “vou te mostrar o caminho das pedras”, “vou te mostrar como é esse mercado”, “vem comigo”. E eu fui com elas.


Quando você ficou noiva?

Na virada do ano de 2015 para 2016. Aí assinei contrato com uma casa de festas para fazer o evento e passei a viver tudo o que as minhas entrevistadas estavam vivendo. E essas trocas ficaram ainda mais intensas, pois eu ingressei numa communitas de noivas. É uma das coisas que eu trabalho na tese.


Como foi escrever nesse processo todo?

Na verdade, eu nunca parei de escrever, nem mesmo nos meses em que estava mais absorta no campo. Escrevi minha tese desde o primeiro ano do doutorado. O PPGAS tem uma coisa genial que é exigir fichas de leituras dos alunos. Então, toda semana, se você tem três cadeiras, você tem pelo menos umas nove páginas escritas para fazer. E eu sempre tentei escrever em cima do meu tema, e isso era retrabalhado o tempo todo. Nunca larguei as fichas. Tinha tudo no computador, porque eu ia puxando, colando, copiando. Apesar de a minha casa ser uma bagunça, nesse aspecto sou bem organizada. Eu abria um documento e escrevia: "Setembro com Regina". Depois fazia um para outubro, outro para novembro, para todos os meses. Daí eu ouvia esses áudios em casa e digitava. Mesmo que repetisse assuntos, eu escrevia, retrabalhava. Quando eu sentei para escrever, já tinha muita coisa feita. As pessoas ficavam impressionadas que eu escrevia muitas páginas por dia, mas, na realidade, eu tinha muita coisa já escrita. Eu não parava, eu não fazia uma entrevista e a deixava lá. Quando eu encerrei o campo, o que nunca aconteceu completamente, ia para a biblioteca e ficava oito horas lá, todos os dias. Ficava das 8 horas ao meio-dia, parava para o almoço, comia no restaurante da frente, voltava para a biblioteca e passava a tarde ali. Porque, se não fosse assim, não tinha como fazer 44 créditos e ter escrito tudo. As pessoas me apavoravam: "Você terá só sete meses para escrever? Não vai dar!". Mas eu sabia que era possível, até porque sou jornalista e tenho certa facilidade com a escrita. Teve outra coisa: eu virei quase funcionária da biblioteca! Todos os dias eu estava lá, e brigava com quem fazia barulho (risos). No total, a tese teve perto de 400 páginas. Defendi no dia 15 de março de 2017, e me casei em 6 de julho de 2017. Foram os dois dias mais felizes da minha vida.


Como é a vida pós-tese e a vida pós-casamento?

(Risos) Olha, vi casos de depressão pós-casamento. Aliás, é um termo que existe, pode procurar no Google! E faz todo sentido, principalmente quando é o projeto único de uma pessoa. No meu caso, nunca foi. Ou melhor, foi durante dois meses. Quando terminei o doutorado, tive que correr atrás de um prejuízo imenso de tempo. Mas não era a única coisa que eu estava resolvendo, porque houve uma pessoa doente na minha família nessa época e eu me envolvi com isso também. Era muita coisa, muito contrato. Tudo isso se dá num mercado informal onde a desconfiança é uma constante. Então eu tinha muitas checagens para fazer e assegurar que o casamento seria bom. Até porque tinha um investimento de dinheiro. Também não tive depressão pós-defesa de tese porque não tive um dia para pensar sobre isso. Na sequência, depois da banca, eu precisei organizar o casamento.


Qual foi a reação das noivas que você conheceu no campo às vésperas do seu casamento?

Ah, sim, no dia seguinte à minha defesa, eu tinha tantas noivas me ligando... Não era sobre a tese, era por causa da consolidação de um status, de uma posição prestigiosa que eu adquiri em função do meu potlatch (risos). Não que meu objetivo fosse esse, eu queria apenas uma festa bonita, bacana. Mas, como meu processo de noivado foi tão longo – durou mais de um ano –, e por eu ter conhecido uma rede muito grande de fornecedores e de noivas ao longo da minha pesquisa, me tornei uma noiva famosa. A palavra é essa: famosa! Eu participava de uns 20 grupos de WhatsApp, alguns com umas 200 noivas. É claro que a minha história se espalhou. Diziam até que eu era uma noiva “experiente” e que sabia dar as dicas "de dentro". E as pessoas me mandavam muitos áudios com dúvidas! Quando eu queria desintoxicar do tema casamento, as noivas não deixavam (risos). Eu pensava na ironia disso, lembrava-me da época em que eu estava no início do campo, implorando por entrevistas. E chegou ao minha vez de ser procurada.


Conseguiu firmar amizades com algumas noivas?

Sim, tinha um dos grupos em que as moças se tornaram minhas amigas, saímos juntas, foram à minha casa, algumas são feministas. Temos afinidades, principalmente por questões de gênero que perpassam esse mercado.


E agora? Quais são os planos?

Minha vinda para Porto Alegre não foi sozinha, foi com meu namorado, que agora é meu marido, e que também veio fazer o doutorado na Antropologia. Só que ele é concursado da Fundação de Economia e Estatística (FEE), e estamos esperando a definição se a fundação será extinta de fato pelo governo do Sartori. Aí decidiremos se ficamos por aqui ou se retornamos para Fortaleza. Enquanto isso, eu vou revisando textos e prestando consultorias de mercado de casamentos e festas. Inclusive, recentemente, prestei uma consultoria para uma advogada feminista. A ideia dela é revisar contratos para dar mais seguranças às noivas. Temos um mercado informal, com contratos precários. E é muito dinheiro investido. Para acontecer, um casamento pode ter uns 30 fornecedores. E esse é um trabalho de construção de lastro de significado para o que será simbolizado como uma nova família – não estou dizendo que é uma nova família, mas é simbolizado socialmente como uma nova família –, um trabalho que sobra para as mulheres. Os homens não se dedicam à organização dessas festas, e isso afeta a segurança dessas mulheres. E o que acontece quando elas se estressam? São chamadas de noivas loucas, de mulheres surtadas, de estressadas. É sempre uma desqualificação ligada ao fato de serem mulheres, e isso aparece naturalizado. É apagado nesse discurso o fato de que essas pessoas estão submetidas a uma situação de estresse imenso e que os homens estão fazendo outras coisas, estão no bar, no futebol, no happy hour com os amigos. Essa consultoria que eu presto é para ajudar as mulheres nesse processo. No caso de casas de festas, elaborei um projeto para melhorar a relação do consumidor com o prestador de serviço, pensando nas fragilidades e nos agenciamentos. Não é pesquisa superficial, não.


A vida acadêmica, então, não está no seu horizonte no momento?

Olha, a academia é uma possibilidade de trabalho, mas não é o limite. Nesta semana, entrando no LinkedIn, até vi uma vaga para antropólogo! É raro! Mas era para a Rede Globo (risos)... Eu sei, é uma coisa que interessa muito pouco a alguns antropólogos (risos). Mas é sério! É uma vaga para avaliar as reações das pessoas em relação à programação da emissora (risos). Bom, durante o doutorado, fiz alguns trabalhos pontuais com pesquisa de mercado e fiquei bem satisfeita, porque é a aplicação prática do que você aprende. Na verdade, não vejo demérito nenhum em atuar no mercado. Nesse mercado de casamento, sobre o qual posso falar com propriedade, a presença de antropólogos é importante em função da questão de gênero, do sofrimento feminino, da pressão. Podemos facilitar esses processos na vida dessas pessoas. Inicialmente, eu mesma tinha inseguranças sobre como seria vista, pelos meus pares, uma pesquisa sobre consumo e ritos contemporâneos de casamento. Felizmente, tive como orientador o professor Ruben Oliven, que enxergava muito mais longe que eu e me tranquilizava a esse respeito. Tê-lo como orientador fez toda a diferença.


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