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Dos movimentos sociais aos movimentos culturais: encontros e debates na XII RAM

Que caraterísticas têm os movimentos culturais hoje? São diferentes dos movimentos sociais? Que aportes teóricos para este debate eles podem trazer à antropologia? E qual é a contribuição da etnografia? Estas perguntas enquadram os interesses de um conjunto de pesquisadores que se reuniu entre os dias 4 e 7 de dezembro na cidade de Posadas, na Argentina, para a XII Reunião de Antropologia do Mercosul (RAM). O grupo de trabalho (GT) nomeado Dos movimentos sociais aos movimentos culturais, que coordenei com Felipe Comunello, e com a presença do professor Ruben Oliven como debatedor, aproximou uma variedade de trabalhos de caráter etnográfico com o fim de contribuir com este debate.

Nas últimas décadas, surgiu uma multiplicidade de movimentos na América Latina que articulam e ativam a cultura, questionando ou enfatizando os conhecimentos especializados dos conceitos de cultura e movimento. A reivindicação de direitos associados à cultura foi uma novidade em relação aos chamados movimentos sociais mais clássicos e deu conta, tanto nas práticas dos movimentos quanto nas discussões teóricas, de uma expansão do conceito de cultura que engloba – ao mesmo tempo em que traspassa – as noções associadas a práticas sócio estéticas, tornando a reivindicação cultural um elemento de ação no espaço público particularmente legítimo. Nesse sentido, os chamados movimentos culturais ancoram uma nova interface entre cultura e política que, entre outras coisas, obriga a repensar as relações entre movimentos culturais e Estado (especialmente a participação ativa nas políticas públicas de cultura), as relações destes movimentos com o mercado (em particular, com a ativação de circuitos alternativos de produção e consumo cultural) e formas de ação coletiva.

Na RAM, debatemos movimentos culturais em um sentido amplo, levando em consideração as relações com práticas estéticas, estilos de vida, etnia, religiosidade, juventude, diáspora e cruzamentos entre essas dimensões. O trabalho de Marina Zachi evocou a discussão sobre qual é o conceito de cultura desenvolvido pelo Estado-nação, e qual é o papel dos antropólogos na definição e sedimentação desse conceito a partir do seu trabalho em organismos estatais, como o IPHAN. Desde São Paulo, Leonardo Fontes nos mostrou as dinâmicas dos saraus da periferia dessa cidade. Os saraus, a exemplo de outras expressões sócio estéticas, como hip hop ou rap, cumprem um papel de elucidar onde os sujeitos se ativam politicamente e defendem seus direitos, reivindicando os “direitos à periferia”. Essa positivação da periferia dialoga diretamente com a investigação de Natalia Gavazzo, na Argentina, junto a organizações de migrantes que também apelam para um discurso não vitimizante para sua participação na esfera pública e a disputa por seus direitos. Focando-se nos jovens migrantes ou nas segundas gerações (os filhos de migrantes já nascidos em Buenos Aires), vimos como a cultura (a música, as danças, as comidas e as mídias sociais) se torna uma ferramenta fundamental para a participação na vida política.

O trabalho de Maria Izabel dos Santos Garcia trouxe a problemática dos surdos como grupo social marginalizado que reivindica o acesso aos museus a partir de uma cultura própria, pautada na visualidade e na língua de sinais. Por último, meu trabalho buscou dar conta de como os modos em que a política e a produção cultural se imbricam no movimento cultural Fora do Eixo, articulando formas sociais emergentes que colocam em tensão as divisões e abrem novas interrogações sobre as fronteiras entre produção cultural e política.

A perspectiva etnográfica e processual, que se concentra no cotidiano e nos processos de construção destes movimentos, permitiu ver as especificidades nacionais e regionais, as relações com as políticas públicas e os usos nativos do termo cultura, representando experiências sociais múltiplas e polifônicas. No entanto, uma das caraterísticas destes movimentos destacada em todos os trabalhos pelo professor Ruben Oliven foi o aspecto lúdico e comemorativo que estes grupos têm nos seus modos de se relacionar com as práticas culturais e políticas. Dar conta desse tipo de especificidades através da etnografia é o que permite compreender a emergência de movimentos culturais e o reconhecimento de modos diferentes de se vincular à política e de fazê-la.


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